Eu nunca quis te prender. Nunca quis você em casa vinte e quatro
horas por dia, a salvo das intempéries do mundo e longe de todas as outras pessoas.
Eu nunca te quis submisso ou passivo, muito menos te quis dependente de mim.
Nunca foi a minha vontade te afastar do seu trabalho, dos seus amigos. Eu nunca
quis ser uma sombra assustadora sobre a sua liberdade e sobre a sua
independência. Apesar de eu querer você na minha vida, eu não quero você só na
minha vida. Nunca passou pela minha cabeça competir com as coisas que você
gosta, eu só queria ser mais uma delas.Você ia continuar conhecendo
pessoas, fazendo suas coisas, suas atividades, porque eu nunca quis você para
mim, eu só queria você comigo.
Enquanto eu dizia que queria compartilhar a minha vida com você,
você ouvia que eu queria a sua vida para mim. Eu queria alguém para dividir as
coisas ruins e somar as coisas boas, e você achava que eu queria te poupar de
tudo, tentar tomar conta da sua vida e resolver todos os problemas do mundo. A
minha vontade é essa mesmo, e se eu pudesse, eu te pouparia de todos os perigos
e sofrimentos do mundo. Mas eu não posso e não faria isso. Se eu fizesse, você deixaria
de ser você. Mas é porque temos opiniões diferentes sobre o que é liberdade.
Para você, liberdade é poder fazer o que quiser, sem ter que dar
satisfação ou se preocupar com ninguém. Para mim, não. Para mim, liberdade é
saber que, mesmo tendo que dar satisfação ou me preocupar, eu posso fazer o que
eu quiser.
Assim como a coragem não é a ausência de medo, e sim o controle do
medo, a liberdade não é não se prender a ninguém e poder fazer o que quiser.
Liberdade é ter a coragem e a maturidade de, sim, abrir mão de
fazer alguma coisa para ficar em casa vendo um filme, se você quiser. Liberdade
não é a obrigação de fazer qualquer coisa, e sim saber que você poderia fazer
qualquer coisa, se quisesse.
Eu queria pegar o carro e fugir pra qualquer lugar com você por
dois dias, mas você só achava que eu queria te roubar do seu mundo. Eu queria
que você passasse trinta horas na minha casa, e você só se preocupava que havia
faltado a algum compromisso e que isso te fazia mal. Eu me propus a encontrar
um meio termo — mesmo eu não sendo uma pessoa de meios termos, eu estava
disposta a fazer isso. Mas você preferiu não correr o risco. Eu prefiro ter
alguém para me ajudar a suportar as coisas ruins, você prefere ficar sozinho e
não correr o risco de ver seu perfeito e alinhado trem do planejamento sair dos
trilhos por alguns segundos. Mesmo sabendo que as vezes em que eu tirei seu
trem dos trilhos foram os nossos melhores momentos juntos.
Eu prefiro aumentar os trilhos, você prefere me jogar pra fora do
trem.
Eu te propus tratarmos a nossa dor no joelho com analgésicos, e
sermos felizes nos momentos sem dor e tentarmos superar juntos os momentos de
dor. Você preferiu amputar a perna, se livrando de vez da dor, mas abrindo mão
também do lado bom. Eu tentava ver o lado bom das nossas brigas — estávamos nos
ajustando. Você sempre via o lado ruim das coisas boas, como quando você me
dizia que sentiu saudades, que seus sentimentos com relação a mim eram ambíguos
ou quando eu percebia nitidamente uma centelha de paixão por mim nos seus
olhos. E a centelha estava lá. Mas você fechava a janela pro vento não aumentar
as chamas.
Nós poderíamos ter sido tudo o que eu dizia que nós seríamos,
porque você nunca entendeu o que eu queria e, assim sendo, recusou a minha
proposta de o que você pensava que eu queria. Você teve medo de me oferecer
algo que eu nunca quis, você se negou a ser o que eu nunca quis que você fosse.
Será que um dia você vai entender o que eu queria e me deixar não ser a sua
vida, mas somente estar na sua vida.
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