quarta-feira, 22 de abril de 2015

Não a paz de espírito que eu preciso. Mas a paz de espírito que eu quero. Assim como quero você...

Eu não preciso de você. Eu preciso perder a barriga, preciso de um ferro de passar roupas e preciso mandar lavar o carro. Mas de você eu não preciso. Talvez até eu precise me vestir melhor, usar um corte de cabelo mais moderno e comprar papel higiênico – está acabando. Mas definitivamente eu não preciso de você. Mas eu quero você. Um diabético não deseja a insulina.  Eu não adoro meu remédio da tireoide que eu tenho que tomar todos os dias. Mas eu preciso dele. E um diabético precisa da insulina. Ambos por não termos opção. Eu não preciso que você me entenda como ninguém nunca me entendeu, nem que você me acalme como você sempre faz, muito menos preciso daquele carinho no pescoço que você faz sempre quando me beija, como se você fosse a minha esposa e eu um soldado que passou dez anos em uma guerra do outro lado do mundo. Mas eu quero que você me entenda, me acalme e me beije desse jeito. Sempre.
Eu não preciso conversar com você por horas todos os dias, nem deitar no seu colo e ganhar cafuné. Tampouco preciso ouvir você falar apaixonadamente sobre teatro por horas e horas. Mas conversar com você, ganhar cafuné e ouvir você falar – linda! – sobre teatro por horas a fio é o que eu mais quero nesse momento. Não por necessidade, porque se fosse isso, não importaria o que eu sinto, seria somente algo que eu preciso. Eu poderia, hoje por exemplo, ficar em casa, sem fazer nada. Mas eu preferiria sair para passear com você. A minha vida sem você não seria impossível. Eu não ia morrer nem virar um ermitão nas montanhas. Mas com você a minha vida seria muito mais divertida, não há como negar isso.
O meu remédio para ansiedade tem quase o mesmo efeito que você: me acalma, me deixa menos impulsivo e menos ansioso. Mas eu não queria ter que toma-lo. Já você, se pudesse eu tomaria você de quatro em quatro horas, cinco vezes por dia, e o efeito seria sobremaneira melhor que o do remédio. O remédio não fica com os olhos fechados por vários segundos depois que me beija nem fala com voz doce quando precisa me dar uma bronca. Dizer que eu preciso de você seria minimizar todo o bem que você me faz. Seria como dizer que eu preciso de um remédio ou de camisas novas. Poder ser quem eu sou de verdade, sem ter que disfarçar nada nem esconder nem um pedacinho é algo que eu nunca havia experimentado. E admito que é bem melhor do que eu imaginava que pudesse ser. E viver isso não é uma questão de necessidade. É uma questão de liberdade, de paz de espírito. A paz de espírito que você me traz quando me faz carinho enquanto eu dirijo e quando fala, ao final de toda mensagem: “Fica bem”. Não a paz de espírito que eu preciso. Mas a paz de espírito que eu quero. Assim como quero você.

Não abra mão de si mesmo por nada ou ninguém. Viva por você ou morrerá pela mesma razão...

Se guarde para você. Se eu pudesse deixar apenas um conselho na vida, seria este. Porque todo mundo, em algum momento, usará isso contra você. Se conheça sozinho e aprenda a guardar segredo, porque ninguém além de você é capaz de te aceitar de verdade. De coração. Sem jogar isso na sua cara depois, mesmo que sutilmente. Resista a esse ímpeto de dizer que estou dizendo asneiras – eu sei que é uma realidade cruel demais pra acreditar, mas se pergunte baixinho até descobrir.
É triste, mas todo mundo vai te abandonar em algum momento. Aceite. E permaneça consigo mesmo até o fim. É triste demais – sobretudo pra mim, acredite – guardar todos os segredos íntimos que se quer gritar pro mundo, mas é a atitude mais lúcida a se fazer (e é claro que todos temos o direito de não sermos lúcidos). Mas quanto mais o mundo te conhece, mais ele te violenta. A vida foi feita para ser mentida, por mais louco que isso pareça.
Ame com toda a sua intensidade, mas não se entregue a qualquer um. Esconda a tua melhor parte num lugar em que só você possa encontrar, para que, quando o mundo te virar as costas, ainda te reste alguma coisa. Ainda te reste você mesmo. Isso é o mínimo que você pode querer: pertencer a si mesmo.
A vida não é justa. As pessoas vão te magoar e seguir suas vidas de alegrias e amarguras. Ninguém vai devolver o tapa que você levou. Esqueça essa história de que os vilões da sua vida vão acabar loucos e sozinhos como nos filmes que você viu. Eles não vão. Cuide de si mesmo ou ninguém fará isso por você – se não acredita, siga em frente e aprenderá, a duras penas.
Eu não te desejo isso. Eu não me desejo isso. Esta é apenas a vida real, que um dia bateu à minha porta e, mais cedo ou mais tarde, baterá à sua. A vida não deixa espaço pra essa coisa de entrega. Ela te acorda, te aconselha e, por fim, te arrebata. Não abra mão de si mesmo por nada ou ninguém. Viva por você ou morrerá pela mesma razão.

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